Os azulejos portugueses e a deriva urbana pela paisagem de Lisboa

Residência lisboeta, próxima à Estação Santa Apolónia, revestida em azulejos portugueses. Fotografia: Denis Giannelli

Em nossa última matéria, a Reveste Online apresentou um panorama sobre a cidade de Delft e sua produção cerâmica de tons azulados. Desta vez, a parada acontece em outro canto da Europa, que para nós brasileiros é muito especial. Visitamos também a cidade de Lisboa, em Portugal, cuja tradição secular da Arquitetura e Urbanismo em azulejo se mistura com o design contemporâneo na produção cerâmica. Assim, se Delft é mundialmente reconhecida pela produção de objetos cerâmicos – os chamados Delfts Blauw, ou Delfts Blauwen, no plural – , é em Lisboa que a Arquitetura e Urbanismo são inspirados pelo revestimento cerâmico próprio para edificações.

Desta forma, convidamos o leitor a descobrir Lisboa conosco por meio da Teoria da Deriva Urbana, cujas ideias estão presentes na cabeça de todos aqueles que adoram viajar, ainda que eles nem se deem conta. Por fim, trazemos também as principais obras de arte do Museu Nacional do Azulejo, cuja museografia combina peças seculares e peças de design contemporâneo.

Panorama das colinas de Lisboa e do estuário do Rio Tejo a partir do Miradouro de São Pedro de Alcântara. Vídeo: Denis Giannelli

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A Teoria da Deriva, cuja autoria cabe ao pensador francês Guy Debord, foi originalmente publicada ainda anos cinquenta, e desde então vem sendo investigada e repensada por muitos estudiosos do Urbanismo e da Geografia Urbana. De acordo com este desdobramento de ideias, o entendimento que um indivíduo tem sobre o meio em que vive está baseado na sua experiência subjetiva ao lançar-se “à deriva”, isto é, sem uma rota pré-definida. Assim, ao caminhar ‘aleatoriamente’ pela cidade, o conjunto de sensações – visuais, auditivas, olfativas, gustativas e táteis – nos permite criar um mapa ‘psicogeográfico’, cujas representações simbolizam e manifestam nosso entendimento e interpretação sobre o próprio espaço urbano. Desta forma, o caminhar à deriva constrói, dentro de nós mesmos, um ‘mapa mental’ afetivo sobre a cidade: ‘a ruela onde tomei aquele cafézinho, aquela pracinha onde os artesãos vendem seu trabalho’, etc.

Mas então, e o que tudo isto tem a ver com Lisboa e, especificamente, com os azulejos portugueses? Bem, ao caminhar pelas ruas desta cidade, podemos observar como o azulejo e o piso cerâmico estão presentes no dia a dia de Lisboa, seja em edifícios monumentais – igrejas, castelos, palácios, etc. – como também nas casas e lojas da cidade.

“O azulejo é uma arte identitária de Portugal. O seu uso, sem interrupção nos últimos cinco séculos, distingue-se do modo como foi entendido noutras culturas, afirmando um gosto português.”

(Museu Nacional do Azulejo, Lisboa 2020)

Com base nestas ideias, trazemos ao leitor um mapa com os pontos pelos quais passamos durante nossa estadia de três dias. A cada novo percurso ‘à deriva’, vielas inclinadas e praças charmosas revelavam o que há de melhor no revestimento português. Confira os três trajetos que percorremos!

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PRIMEIRO DIA. De Alcântara até Belém.

Partindo do chamado ‘Bairro Alto’, próximo ao centro, descemos a Rua de São Pedro de Alcântara em direção à Praça do Comércio, o “marco zero” da cidade. No caminho, é possível observar exemplares de edifícios residenciais e comerciais revestidos em azulejos, sobretudo no Baixa Chiado, tradicional bairro boêmio da cidade de Lisboa.

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A partir da Praça do Comércio, seguimos ao longo do Rio Tejo, atraídos pela vista panorâmica da Ponte 25 de Abril. Durante o caminhar, observamos fachadas inteiras revestidas em azulejos, a exemplo desta, na Praça D. Luís I, em frente à Estação Cais do Sodré.

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Seguindo nosso percurso, após ultrapassar a Ponte 25 de Abril, descobrimos uma novidade na capital portuguesa, o MAAT: Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia. Desenhado pela arquiteta britânica Amanda Levete e inaugurado em 2016, o museu oferece em sua cobertura, como uma extensão natural da rua, um panorama formidável do estuário do Rio Tejo. Também é interessante perceber como a pedra portuguesa está presente no desenho das calçadas, à semelhança das nossas cidades brasileiras. Um verdadeiro cantinho da cultura luso-brasileira na Europa.

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Terminamos nosso primeiro percurso na região de Belém. Apenas nesta parte da cidade é possível provar o autêntico Pastel de Belém, cuja denominação é de origem controlada. E a pastelaria, claro, atende aos padrões estéticos portugueses, com a fachada revestida em azulejos.

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SEGUNDO DIA. De Alcântara até o Miradouro Pq. Eduardo VII

Partindo novamente de Alcântara, descemos as vielas estreitas do Chiado até a Praça Luís de Camões, onde observamos majestosas e ensolaradas fachadas em azulejo.

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A segunda parada é novamente a Praça do Comércio, cujo design monumental é ponto de partida para o mais importante eixo da cidade, formado pela Rua Augusta, Praça D. Pedro IV, Estação Rossio e Avenida da Liberdade.

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Após percorrer a rampa suave da Avenida da Liberdade – a versão lisboeta da Champs-Élysées parisiense -, atravessamos a Praça Marquês de Pombal e começamos a subir o íngrime Parque Eduardo VII. Em seu ponto mais alto, no Miradouro, é possível apreciar um panorama da capital lusitana e do Rio Tejo.

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Já no caminho de volta, atravessamos a região do Rato e seguimos pela Avenida Escola Politécnica, cujos palácios impressionam o pedestre pelos acabamentos em azulejos coloridos.

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Terminamos nosso segundo passeio à deriva entrando em uma pequena viela escondida na R. D. Pedro V. A partir dali, é possível contemplar uma vista maravilhosa da cidade de Lisboa.

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TERCEIRO DIA. De Alcântara até Santa Apolónia.

Em nosso terceiro e último percurso, decidimos nos aventurar pelas vielas inclinadas das colinas do bairro de Alfama. A aventura nos conduz às perspectivas inusitadas da cidade, como também à verdadeira arte urbana de Lisboa, isto é, os painéis de azulejos espalhados pela cidade.

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Embora associemos a arte do azulejo português a uma estética de perspectiva secular, Lisboa também nos oferece um design super contemporâneo no que diz respeito à olaria. Um ótimo exemplo que descobrimos durante nosso caminhar é o painel colorido no Bairro de Santa Apolónia.

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O bairro de Santa Apolónia nos surpreendeu de forma muito positiva. Considerada uma das regiões mais autênticas de Lisboa, Apolónia conta com diversos edifícios das mais variadas dimensões com acabamento em revestimento cerâmico.

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Aproveitando a proximidade e a inesperada mudança de tempo, subimos no topo do Panteão Nacional. Originalmente concebido como uma igreja barroca do século XVII, sua construção demorou séculos, e hoje abriga um mausoléu com tumbas das principais celebridades portuguesas, como Pedro Álvares Cabral, Luís de Camões, Amália Rodrigues, etc. Do alto do edifício, é possível aproveitar mais uma vez a vista do Rio Tejo, com o Santuário do Cristo Rei ao fundo, a versão portuguesa do nosso Cristo Redentor carioca.

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O MUSEU NACIONAL DO AZULEJO

“Azulejo

Com origem na palavra árabe, azzelij ou al zuleycha, que significa ‘pequena pedra polida’, designa uma peça cerâmica, geralmente quadrada, em que uma das faces é vidrada.”

(Museu Nacional do Azulejo, Lisboa 2020)

No final do nosso terceiro e último dia de viagem, fizemos uma última parada indispensável no Museu Nacional do Azulejo, localizada na R. Me. Deus 4, 1900-312 Lisboa, Portugal. Situado em um antigo monastério do século XVI, o museu oferece ao visitante não somente uma maravilhosa exposição sobre a história do azulejo em Portugal – cuja museografia é orientada cronologicamente -, como também um passeio pelo próprio edifício em si, exuberante em jardins, pátios de inspiração moura e que conta também com uma rica capela totalmente decorada em ouro e azulejos de tons azulados.

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“O Museu é ponto de partida para conhecer este património que pode ser visto em todo o país, aplicado nos espaços para que foi concebido.”

(Museu Nacional do Azulejo, Lisboa 2020)

Confira abaixo algumas das principais peças expostas no museu. É possível observar a progressão cronológica, desde peças seculares até peças de design contemporâneo. Destaque para a peça denominada “Lisbonne Aux Mille Couleurs“, do artista Paolo Ferreira (1911-1999). A obra é réplica do painel para o Pavilhão de Portugal na Exposição Internacional de Paris de 1937, e representa em primeiro plano a Praça do Comércio, local visitado por nós durante nossa deriva urbana.

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No final da exposição, fomos surpreendidos pelo extenso painel em azulejos denominado Vista Panorâmica de Lisboa Anterior ao terremoto de 1755. ‘Esta extraordinária obra, uma das mais importantes da coleção do Museu Nacional do Azulejo, é um documento iconográfico único para a história de Lisboa, pois mostra-nos a mais completa vista da cidade, a partir do rio Tejo, antes do terramoto que a destruiu em 1755. Medindo cerca de 23 metros de comprimento, representa 14 km de costa, retratando palácios, igrejas, conventos e moradias, mas também toda uma vivência da cidade.’ (artsandculture.google.com). Para finalizar este artigo, gravamos um vídeo percorrendo toda a extensão desta obra. Confira!

Vista Panorâmica de Lisboa Anterior ao terremoto de 1755. Produção de Lisboa, início do séc. XVIII. Prov. Antigo Palácio dos Condes de Portugal, na rua de S. Tiago à Sé, Lisboa. Vídeo: Denis Giannelli

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Inspirados nesta viagem rumo à Europa, a Reveste Online apresentará em sua próxima matéria uma redescoberta rumo a capital do nosso país, Brasília, cidade na qual a arquitetura de Oscar Niemeyer se mistura com a arte em azulejo do pintor, escultor, desenhista e artista brasileiro Athos Bulcão. Até a próxima!

7 comentários em “Os azulejos portugueses e a deriva urbana pela paisagem de Lisboa

  1. Silvia Giannelli disse:

    Que demais!

  2. Paulo Takito disse:

    Ótimo artigo! Gostei do mapa com o cicuito percorrido.

    • revesteonline disse:

      Obrigado, Paulo! Ficamos felizes que gostou do mapa. É uma ótima ferramenta para guardar as lembranças de viagens. Abs.

    • Rosa Patrício disse:

      A todos os intervenientes desta reportagem on line parabéns 👏👍🇵🇹 lindíssimo sublime ver tanta beleza urbanística (por muitos… desconhecida)…

      • revesteonline disse:

        Olá Rosa, ficamos muito felizes que gostou da nossa reportagem!
        Visitamos outras cidades no Brasil e na Europa, confira as outras matérias em nosso blog!

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